O Supremo Tribunal Federal (STF) negou, nesta segunda-feira (14/12), a possibilidade de reconhecimento de duas relações estáveis concomitantes para fins de direito ao rateio por pensão por morte. O julgamento teve início em setembro de 2019, quando cinco ministros votaram pelo reconhecimento de tal arranjo e três foram contrários. Dias Toffoli pediu vista e o caso foi concluído em sessão virtual. Os votos que faltavam viraram o placar.
O caso teve repercussão geral reconhecida em 2017 e tem grande impacto para o Direito de Família e Previdenciário. Tanto Toffoli como o presidente Luiz Fux e Nunes Marques acompanharam o relator, ministro Alexandre de Moraes. Apenas Toffoli incluiu a íntegra do voto na sessão. Para ele, em casos desse tipo, em que mais de uma pessoa alegue a condição de companheiro, “é necessário o confronto de provas para verificação da relação que, de fato, ostenta a condição de união estável (se é que alguma ostenta)”.
O RE 1.045.273, que tramita em segredo de Justiça, chegou ao STF em 2012. No caso concreto, um homem tinha uma união estável reconhecida judicialmente com uma mulher, que buscou a Justiça com esse objetivo depois da morte do companheiro, e uma segunda relação com um homem, que, mais tarde, também fez o pedido.
Toffoli disse, no voto, que o pedido de vista não se deu por questionamento acerca da possibilidade de união homoafetiva como instituto jurídico, já que o tema está consolidado pela Corte desde 2011. Quanto à união estável em si, Toffoli a distingue do casamento: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.
“Conforme já manifestei oralmente na primeira assentada deste julgamento, a parte final do § 3º do art. 226 da Constituição da República, ao estabelecer que a lei facilitará a conversão da união estável em casamento, deixou claro que uma coisa é uma coisa e outra é outra coisa”, disse, acrescentando que o casamento exige publicação de proclamas, a modificação do estado civil e é extinto com o divórcio.
“E qual é a razão de haver maiores exigências para o casamento? A segurança das relações privadas na formação dos vínculos familiares . Com o casamento, torna-se mais difícil a constituição – ao menos sem o conhecimento das partes – de multiplicidade de vínculos de afeto. Confere-se, assim, maior proteção jurídica às repercussões patrimoniais, previdenciárias e mesmo familiares que decorrem dessa espécie de vínculo”, segue o ministro.
Por fim, ele conclui que há a impossibilidade prevista pelo Código Civil de cumulação de vínculos familiares, seja sob o título de casamento, seja sob a união estável. “Tendo uma das pretensões sido reconhecida judicialmente como união estável, outra só poderia o ser pelo processamento de prévia ação anulatória. E, no caso dos autos, não há notícia de ação anulatória.”
No caso concreto, Toffoli ressalta que a união homoafetiva foi dada por comprovada pela primeira instância diante de testemunhos colhidos, extratos de seguro de vida em benefício do autor da ação, faturas de cartão de crédito em que ele figurava como dependente. Mas, para Toffoli, é incabível o reconhecimento da união estável homoafetiva, porque outra união estável já havia sido reconhecida judicialmente antes. Leia a íntegra do voto de Dias Toffoli.
Julgamento presencial
Não há, nos autos do processo, segundo os ministros da agora corrente vencida, informações sobre qual das duas relações era mais antiga. Ambos solicitaram, depois da morte do companheiro, o direito à pensão. A mulher, em janeiro de 2003, e o homem, em novembro de 2008. O relator, ministro Alexandre de Moraes, argumentou, na sessão presencial, que a igualdade entre união estável com o casamento já foi confirmada pelo STF. Sejam elas relações heterossexuais ou homossexuais, o fato, para ele, é a impossibilidade do reconhecimento de duas relações concomitantes.
Se o paradigma é o casamento, o modelo consagrado pelo ordenamento jurídico é o monogâmico, conforme definido pela Constituição e, mais tarde, pelo Código Civil. “Insisto, nada tem a ver com a questão de orientação sexual, mas se o Supremo vai aceitar a bigamia”, disse. Leia a íntegra do voto de Moraes.
Ele foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Este, por sua vez, afirmou que casamento é dividir uma vida, parceira, e concubinato é dividir leito. “Penso que quem mantém duas famílias, uma legal e outra na clandestinidade, certamente não quer dar publicidade a essa mesma família”, pontuou. Assim, Moraes, Mendes, Lewandowski, Toffoli, Fux e Marques formaram a corrente vencedora.
Ao abrir a divergência, o ministro Luiz Edson Fachin afirmou entender possível o reconhecimento de relações estáveis concomitantes, desde que presente o requisito da boa fé. “Reconheço que o tema tem conexões diversas. Pelo que entendo, há um tripé que dá o cerne do caso que tem assento em três pontos: benefício previdenciário, dependência e eficácia póstuma de relações pessoais cujo âmbito se almeja inclusão sob o agasalho da união estável. O fio condutor para o desate do tema, limitado ao campo previdenciário, jaz na boa-fé”, disse.
Uma vez que não foi comprovado que ambos os companheiros concomitantes estavam de má-fé, e que portanto ambos ignoravam a concomitância das relações de união estável por ele travadas, deve ser reconhecida a proteção jurídica para os efeitos previdenciários decorrentes, afirmou. Com ele, votaram os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio — vencidos.
Fonte: JOTA (Ana Pompeu)
(14/12/2020)